Como proteger sua ação trabalhista das maldades da reforma

Publicado em 07/11/2017

Categoria: Reforma Trabalhista


Como proteger sua ação trabalhista das maldades da reforma



Entenda como a Reforma Trabalhista irá impactar as reclamações ajuizadas antes e após o início de sua vigência, e porque é importante agir para minimizar o risco provocado por esta situação, utilizando o controle difuso de constitucionalidade e outros pedidos de aspecto processual. No final do artigo, saiba ainda como acessar o modelo de Requerimento de Controle Difuso de Constitucionalidade e Outros Pedidos de Aspecto Processual para iniciais trabalhistas disponibilizado pelo site Valor do Trabalho


. Um cenário possível

Imagine que o Dr. Tício (sempre ele), como advogado do trabalhador, tenha ajuizado uma reclamação trabalhista lá pelos idos de 2016, pleiteando, digamos, verbas rescisórias, horas extras e adicional de periculosidade.

Como seu cliente ganhava mais de R$ 3.500,00 por mês, eram muitas as horas extras, e o período de trabalho extendeu-se por 5 anos, o valor da ação acabou sendo um pouco alto, em torno de R$ 110.000,00.

A ação comportava perícia, e após a audiência inaugural, em meados de 2017, o laudo negando a pretensão do adicional de periculosidade foi homologado no meio de outubro, e o processo hoje, 07 de novembro de 2017, já se encontra aguardando para ser julgado (conclusos).

No dia 25 de novembro (próximo) a notificação chega em seu smartphone, e ao acessar o aplicativo Dr. Tício logo vê que trata-se de uma intimação justamente deste processo. Enquanto clica no link, recorda-se de que a perícia foi negativa (embora isso seja uma absurdo, que contestou de forma veemente em seus memoriais) e que, na audiência, uma testemunha havia faltado, e a outra não tinha sido lá muito firme.

De repente sente um calafrio, uma espécie de mau agouro.

Ele sabe que as chances são pequenas de obter uma vitória completa, e em que pese ainda acalentar esperanças de obter a procedência de ao menos uma parte do pedido, o mais importante é que ele "sabe" que não existe nenhum risco maior.

Como todo ser humano normal, ao invés de ler calmamente a decisão inteira ele rola a tela rapidamente para baixo, procurando logo a parte dispositiva, e vê de relance o número R$ 15.000,00. "Parece bom", pensa numa fração de segundo.

Leia também: Como calcular o valor da ação trabalhista após a reforma - Parte I

Porém, e para seu azar, este processo acabou não sendo julgado junto com os últimos que a Secretaria separou para o juiz decidir antes do início de vigência da reforma, calhando deste ter sido o primeiro, no dia 13/11/2017, a utilizar o novo modelo de sentença do juízo, adaptado para a Reforma Trabalhista.

Atônito, e após ler algumas vezes a decisão para se certificar de seu insólito conteúdo, Dr. Tício agora imagina como explicar para seu cliente que foram deferidas apenas as verbas rescisórias, no valor aproximado de R$ 10.000,00, mas que como as horas extras e o adicional de periculosidade foram perdidos, ele foi condenado a pagar R$ 15.000,00 de honorários para o advogado da empresa, mais R$ 2.000,00 de custas, e outros R$ 1.000,00 de perícia.

Quando ingressou com a ação não existia sequer projeto de reforma trabalhista. Como, então, poderia ter alertado ao cliente sobre este risco? É claro que a esta altura (pouco antes da sentença) ele já sabia da aprovação da reforma, e de todo o pacote de maldades trazido pela Lei 13.467/17, mas acreditava que não existisse nada que pudesse ser feito.

Então ele apenas sentou, torceu pelo melhor, e esperou.

O resultado é que a Justiça Gratuita também foi negada, por falta de "comprovação", e no final da sentença até já consta que seu crédito de R$ 10.000.00 será utilizado para pagar parte dos honorários do advogado da empresa (R$ 8.000,00) e as custas processuais (R$ 2.000,00).

Já o valor da perícia poderá ser parcelado, nos termos do § 2º do artigo 790-B. É só passar na Secretaria da Vara para pegar o carnê.

Mas o resto da dívida com o advogado da empresa (R$ 7.000,00) precisa ser pago em 48 horas após o trânsito em julgado, sob pena de execução.

. As mudanças processuais que podem afetar os processos em andamento antes da Reforma Trabalhista

A Lei 13.467/17 entrará em vigência no dia 11 de novembro de 2017, e à partir desta data várias regras de direito material serão incorporadas na legislação que rege as relações trabalhistas do país, sendo que a grande maioria delas são inegavelmente prejudiciais para os trabalhadores.

Mas isso é chover no molhado, todo mundo já sabe.

O que muita gente ainda não sabe é que para além das alterações no direito material, e possivelmente com efeitos ainda piores, várias regras de direito processual também foram trazidas com a nova legislação, e algumas poderão ser observadas inclusive para os processos em andamento antes do início de sua vigência.

O tema é controverso, vem recebendo certa atenção da comunidade jurídica e provocando imensa insegurança nos operadores do direito, principalmente naqueles que atuam em benefício do trabalhador, já que muitas ações, ajuizadas meses ou até mesmo anos antes do início de vigência da Lei 13.467/17, agora correm o sério risco de receber um tratamento muito mais duro da lei processual trabalhista.

Leia também: Conheça 4 decisões que não aplicaram a Reforma Trabalhista aos processos em andamento

A forma de aplicação destes dispositivos ainda é incerta, e já existem sinais positivos do judiciário trabalhista brasileiro, no sentido de que as normas processuais com efeitos materiais não devem ser aplicadas aos processos em andamento antes do início de vigência da Lei 13.467/17.

Foi neste sentido o alvissareiro enunciado nº 98, aprovado durante a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (promovida pela Anamatra) orientando doutrinariamente que os honorários de sucumbência não devem ser aplicados aos processos ajuizados antes do início de vigência da Lei 13.467/17.

Veja a íntegra do enunciado nº 98:

HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INAPLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM CURSO - Ementa: EM RAZÃO DA NATUREZA HÍBRIDA DAS NORMAS QUE REGEM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (MATERIAL E PROCESSUAL), A CONDENAÇÃO À VERBA SUCUMBENCIAL SÓ PODERÁ SER IMPOSTA NOS PROCESSOS INICIADOS APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/2017, HAJA VISTA A GARANTIA DE NÃO SURPRESA, BEM COMO EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE, UMA VEZ QUE A EXPECTATIVA DE CUSTOS E RISCOS É AFERIDA NO MOMENTO DA PROPOSITURA DA AÇÃO.(Comissão 7, grifamos)

E as mudanças não se resumem aos honorários de sucumbência, indo, na verdade, muito além. Algumas delas foram abordadas na ADIn 5.766 e nos Enunciados da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, possuindo boas chances de serem consideradas inconstitucionais, mas outras não (vide adiante).

Na tabela abaixo estão as principais mudanças processuais da Reforma Trabalhista que poderão ser aplicadas para os processos iniciados antes do início de sua vigência (e ainda não sentenciados).

Mudança Como é hoje Como será ADIn 5.766 Enunciados
remove_circle Maior dificuldade para conseguir a Justiça Gratuita Hoje a Justiça Gratuita é concedida através de simples declaração, de forma praticamente automática, sendo reservado, contudo, o direito de a Reclamada contestar (e eventualmente revogar) sua concessão. . Art. 790, § 3º Agora, para quem recebe acima de 40% do teto dos benefícios da Previdência Social será necessário comprovar que não possui condições de arcar com os custos do processo para obter a Justiça Gratuita. Art. 790, § 4º Não Não
block Limitação dos benefícios da Justiça Gratuita Uma vez concedida, a Justiça Gratuita atualmente é integral, conforme determina o inciso LXXIV do art. 5º da Magna Carta: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Agora, ainda que o reclamante seja beneficiário da Justiça Gratuita, poderá ter que pagar honorários periciais e advocatícios sempre que receber qualquer valor na ação movida, ou em qualquer outra ação. Art. 790-B caput e §4º, e o § 4º do art. 791 Sim Sim
attach_money Condenação em honorários de sucumbência Hoje, para serem devidos honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho é necessário que o trabalhador esteja representado pelo sindicato, e que atenda às demais condições da Súmula 219 do TST. Agora os honorários sucumbenciais serão devidos sempre que a parte (reclamante ou reclamada) estiver representada por advogado, mesmo em causa própria, no percentual de 5 à 15% do valor da ação. Artigo 791-A. Não Não
date_range Multa por ausência na audiência inaugural Não existe. A partir da vigência da Lei 13.467/17, caso o reclamante venha a faltar da audiência inaugural, poderá ser condenado ao pagamento das custas processuais, e ainda que seja beneficiário da Justiça Gratuita, o ajuizamento de nova ação ficará condicionado ao pagamento deste valor. Art. 844, §§ 2o e 3º. Sim Sim

Vale frisar novamente que estas mudanças não deverão valer para todos os processos em andamento antes do início de vigência da Reforma, mas para aqueles que ainda não foram sentenciados em primeira instância o risco passará a ser realmente considerável.

Leia também: Como calcular o valor da ação trabalhista após a reforma - Parte I

Como a matéria é nova, e parece não existir na seara trabalhista exemplos jurisprudenciais suficientes para ajudar na elaboração de teses, o principal paradigma que vem sendo observado trata-se de um julgado do STJ no REsp 1.465.535/SP, no qual ficou assentado que o marco temporal para aplicação da lei referente aos honorários advocatícios é a sentença:

Observa-se, portanto, que a sentença, como ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios, deve ser considerada o marco temporal para a aplicação das regras fixadas pelo CPC/15.[...]

Este julgado do STJ não vincula diretamente a seara trabalhista, que é onde deverá ocorrer esta análise, e existe ainda um sinal positivo indireto do próprio STJ, que recentemente firmou o entendimento contra a decisão surpresa, baseando-se, principalmente, no art. 10 do CPC de 2015:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

O acórdão é realmente muito esclarecedor para a questão aqui debatida, valendo transcrever um trecho da ementa :

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. JULGAMENTO SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS. APLICAÇÃO DO ART. 10 DO CPC/2015. PROIBIÇÃO DE DECISÃO SURPRESA. VIOLAÇÃO. NULIDADE. [...] 2. O art. 10 do CPC/2015 estabelece que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. 3. Trata-se de proibição da chamada decisão surpresa, também conhecida como decisão de terceira via, contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo e não ventilada nem pelo autor nem pelo réu. 4. A partir do CPC/2015 mostra-se vedada decisão que inova o litígio e adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio, mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes. Somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial. [...] 6. A proibição de decisão surpresa, com obediência ao princípio do contraditório, assegura às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo, ainda que passíveis de conhecimento de ofício pelo magistrado. [...](STJ - REsp: 1676027 PR 2017/0131484-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 26/09/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2017 - sem destaques no original)

Atualização: Encontrei hoje o excelente artigo A reforma trabalhista, as mudanças processuais quanto aos custos do processo e o "tempus regit actum", de autoria do Douto Juiz do Trabalho Substituto do TRT-24, Geraldo Furtado de Araújo Neto , no qual o Ilustre Magistrado aponta que existe sim um precendente (por semelhança) do TST, que foi a não aplicação do rito sumaríssimo aos processos ajuizados antes do início de vigência da Lei nº 9.957/2000:

RECURSO DE REVISTA - PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO - INAPLICÁVEL AOS PROCESSOS EM CURSO Esta Eg. Corte tem entendimento firmado no sentido de que a Lei nº 9.957/2000, que instituiu o rito sumaríssimo no processo do trabalho, não se aplica às reclamações trabalhistas ajuizadas antes da sua vigência, ainda que o valor da causa não exceda a 40 (quarenta) salários mínimos. Assim, a aplicação do procedimento sumaríssimo a processo em curso desde 11/6/1999 viola o art. 5º, XXXVI e LV, da Constituição da República. Aplica-se o rito ordinário. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL A análise do tópico resta prejudicada. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST - RR: 250007819995150071 25000-78.1999.5.15.0071, Relator: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 26/03/2008, 8ª Turma,, Data de Publicação: DJ 28/03/2008. sem destaques no original)

A questão que se coloca é a seguinte:

O juiz poderá utilizar uma legislação processual nova, que traz prejuízos de ordem material, e sobre a qual a parte não teve oportunidade de se manifestar (por inexistir) quando do ajuizamento da ação?

A resposta para esta pergunta é muito difícil, e deverá ser respondida a seu tempo pelos Tribunais e pela doutrina especializada, mas acredito que uma parte significativa dos juízes do trabalho tenderão a aplicar a nova legislação processual quando do sentenciamento, aplicando o art. 14 do CPC, que estabelece o seguinte:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

A tese que se desenvolve contrariamente a este entendimento sustenta que, segundo o próprio artigo 14, apenas a norma processual, ou seja, com efeitos apenas processuais (não materiais) é que deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso.

Provavelmente o primeiro a enfrentar o assunto com ênfase na Reforma Trabalhista, no indispensável artigo Aspectos processuais da Reforma Trabalhista, logo no dia 20 de julho de 2017, este foi o entendimento a que chegou o do Douto Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 3ª Região, Fabrício Lima Silva:

“Com base no mesmo entendimento, as inovações quanto à imposição de novos requisitos para concessão dos benefícios da Justiça Gratuita (art. 790, §§3º e 4º) e da responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais em caso de sucumbência do trabalhador (art. 790-B), conforme previsão da Lei n. 13.467/2017, não deverão ser aplicadas aos processos já em curso, uma vez que não se tratam de institutos exclusivamente processuais e a alteração da legislação poderia influenciar nas conduta processual das partes ou quanto à avaliação dos riscos da demanda.” (Aspectos processuais da Reforma Trabalhista, Fabrício Lima Silva, Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 3ª Região - sem destaques no original)

No mesmo sentido, de prestigiar a segurança jurídica de situações consolidadas foi o entendimento do Douto Juiz do Trabalho Substituto do TRT-24, Geraldo Furtado de Araújo Neto, no excelente e já citado artigo A reforma trabalhista, as mudanças processuais quanto aos custos do processo e o "tempus regit actum":

“De todo modo, as discussões a respeito da aplicação ou não dos dispositivos atinentes aos honorários de sucumbência e honorários periciais para ações já ajuizadas antes da vigência da Lei 13.467/2017 virão. Caberá à jurisprudência consolidar os entendimentos. Entendo apenas que a segurança jurídica deve estar em voga nos debates acirrados que acontecerão, a fim de não prejudicar situações jurídicas já consolidadas. ”(A reforma trabalhista, as mudanças processuais quanto aos custos do processo e o "tempus regit actum", Geraldo Furtado de Araújo, Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 24ª Região - grifamos)

No caso dos honorários de sucumbência talvez isso seja ainda mais evidente, por redundar em condenação pecuniária, mas todas as situações acima narradas tratam-se igualmente de mudanças processuais que trazem prejuízo de ordem material.

Mesmo assim, é bastante provável que uma parcela significativa dos juízes utilize apenas a interpretação literal das normas legais, e passe a condenar o trabalhador no pagamento de honorários de sucumbência até para os processos ajuizados antes do início de vigência da Lei 13.467/17.

É bem verdade que o mínimo que se poderia esperar seria que o julgador, antes de utilizar uma nova legislação processual que traz inegáveis prejuízos de ordem material, oferecesse um prazo para que a parte se manifestasse sobre ela. Que, pelo menos, antes de negar a Justiça Gratuita por falta de comprovação por exemplo, oferecesse à parte oportunidade para tentar fazê-lo, de preferência indicando, claramente, quais serão os documentos aptos a realizá-la.

Mas, na prática, qual a chance de algo assim acontecer?

Então, se você optar por esperar passivamente que o juiz não aplique a legislação vindoura, quando (e se) o pior ocorrer, talvez nem possa discutir o assunto em sede de recurso, já que haveria irremediável supressão de instância.

Isto posto, será que existe algo que o advogado possa fazer para tentar evitar, ou pelo menos para tentar minimizar este novo risco antes da sentença de primeiro grau?

Acredito que sim.

. O que fazer para tentar minimizar o risco

A situação está posta, e a culpa por ela certamente não é do Dr. Tício, que, diga-se, sempre foi extremamente profissional e cuidadoso com seus processos. Porém, como conhecia os Enunciados, e sabia da ADIn, acreditou que seria melhor apenas esperar. "Pra não irritar o juiz, sabe..." diria ele se o perguntássemos.

Mas agora a sentença não se refere a nenhum dispositivo constitucional, e nada diz sobre a questão intertemporal; a não ser que seriam aplicadas as regras processuais da Lei 13.467/17, por força do art. 14 do CPC.

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Neste caso a situação complica-se bastante, pois não consta da inicial, nem da sentença, nem de nenhuma outra petição intermediária, os argumentos constitucionais que poderiam ser discutidos nas instâncias superiores. Existe pouco espaço para os embargos de declaração, e o recurso, que continua possível, perdeu muita força.

É certo que existe a possibilidade de não se fazer nada, e caso seja aplicada a legislação posterior, recorrer argumentando decisão-surpresa (art. 10 do CPC). Mas será que não veremos, neste caso, alguém dizer que o advogado teve todo tempo do mundo, ainda que não provocado pelo juízo, para apresentar suas razões sobre a lei nova desde logo (ou seja, antes da sentença)? A partir do dia 11/11/2017, a ninguém mais é dado, e menos ainda aos advogados, alegar o desconhecimento da lei.

O que poderia, então, ter feito o Dr. Tício para, ao menos, tentar minimizar este risco?

Como já disse anteriormente, considero bastante improvável que o juiz conceda um prazo para que o advogado do reclamante se manifeste acerca das modificações processuais trazidas pela Lei 13.467/17, de forma que nada impede - ou melhor, tudo recomenda - que o advogado do trabalhador apresente, nos processos ajuizados antes do início de vigência da reforma, e ainda não sentenciados, uma petição intermediária (interlocutória) requerendo:

  1. a aplicação da teoria da unicidade processual para todos os aspectos processuais introduzidos pela Lei 13.467/17 que trouxeram consequências de ordem material (artigos 790, 791-A, e 790-B);
  2. a concessão da Justiça Gratuita, nos termos da legislação processual vigente à época do ajuizamento;
  3. o controle difuso de constitucionalidade do §4º do art. 790, do art. 790-B, caput e § 4º, e do § 4º do art. 791-A, todos da Lei nº 13.467/17;
  4. a interpretação conforme a Constituição do §4º do artigo 790 da Lei 13.467/17, para aplicação subsidiária do CPC no que tange ao meio de comprovação para a concessão da Justiça Gratuita;
  5. a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita tendo em vista a comprovação realizada em tópico próprio;
  6. a concessão de oportunidade para complementar a comprovação de que não tem condições de arcar com os custos do processo, com os documentos o juízo entender cabíveis;
  7. quaisquer outras teses de cunho processual que entender cabíveis para defender o direito de seu cliente;

Pode parecer muita coisa, ainda mais tratando-se de uma petição em Justiça iluminada pelos princípios da simplicidade e da informalidade, porém, considere o seguinte:

  1. É livre o direito de petição aos órgãos públicos no exercício da defesa de direito;
  2. Não se trata de aditamento puro e simples da inicial, mas de adequação processual, necessária em decorrência da entrada em vigência de legislação que alterou a situação para pior;
  3. O risco de apresentar a petição será apenas o improvável, injusto e irracional indeferimento da petição, sem consideração na sentença;
  4. O risco de não apresentar será ser surpreendido com uma condenação de valor considerável (até 17% do valor da ação + honorários periciais) sem ter ao menos se manifestado nos autos sobre o assunto;

É inegável o direito da parte em suscitar o controle difuso de constitucionalidade, sendo que os pedidos de aplicação da teoria da unicidade e da complementação do pedido de Justiça Gratuita são meras adequações processuais a uma legislação posterior.

Nada mais razoável que, ao menos, seja possível lutar.

Sobre o controle difuso, veja o que ficou consignado no Enunciado nº 2 da Comissão nº 1 da 2º Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) entre os dias 9 e 10 de outubro deste ano:

INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI 13.467/2017 - Ementa: OS JUÍZES DO TRABALHO, À MANEIRA DE TODOS OS DEMAIS MAGISTRADOS, EM TODOS OS RAMOS DO JUDICIÁRIO, DEVEM CUMPRIR E FAZER CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO E AS LEIS, O QUE IMPORTA NO EXERCÍCIO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E NO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS, BEM COMO NO USO DE TODOS OS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DISPONÍVEIS. [...] (sem destaques no original)

Ora, a conclusão é inescapável: se é obrigação da Justiça do Trabalho analisar o controle difuso de constitucionalidade, é óbvio, é evidente, que é obrigação do advogado suscitar este controle.

O momento para isso, contudo, é decididamente muito importante, e se existe uma possibilidade clara de se manifestar sobre o assunto sem necessidade de interpor uma petição intermediária, ela deveria ser aproveitada, evitando-se, assim, interpor uma petição talvez inesperada pelo juízo.

De qualquer forma, pessoalmente considero, data maxima venia eventuais entendimentos em sentido diverso, que seja altamente recomendado apresentar esta petição antes do sentenciamento de todas as ações ajuizadas anteriormente ao início de vigência da reforma.

Perceba que as principais teses listadas acima (v.g.: unicidade processual, controle difuso de constitucionalidade), só poderão ser utilizadas em sede recursal se o juiz a elas se referir na sentença (e se você não se manifestar a respeito, como isso acontecerá?), sob pena de supressão de instância.

Além disso, após a sentença em primeira instância algumas oportunidades possivelmente estão perdidas para sempre:

  1. A oportunidade de comprovação de que o reclamante não pode arcar com os custos do processo, com a juntada de novos argumentos e documentos. Esta situação pode ser muito importante no caso de o Reclamante receber salário maior do que 40% do teto dos benefícios da Previdência Social (~R$ 2.200,00), já que, com base no novo parag. 4º do art. 840, passará a ser exigida a comprovação da hipossuficiência à partir deste limite.
  2. A oportunidade para complementar a comprovação de que não tem condições de arcar com os custos do processo, com os documentos que o juízo entender cabíveis, nos termos do art. 99, parag. 2º;

Então, concluindo, se você possui ações trabalhistas em andamento, e que ainda não foram sentenciadas em primeira instância, considere seriamente a possibilidade de interpor uma petição intermediária para ajustar os aspectos processuais de sua ação, pois isso pode ser decisivo na concessão ou não da Justiça Gratuita, além de poder evitar condenações que eram inexistentes no momento de ajuizamento da ação (honorários de sucumbência, perícia etc).

E o mesmo vale para as ações ajuizadas agora, antes do início de vigência da reforma, ou para as que serão ajuizadas após o início de vigência. Com exceção da teoria do processo unificado e do pedido de concessão da Justiça Gratuita com base na legislação atual, que deixarão de fazer sentido à partir do dia 13 de novembro próximo, considero que todas as outras teses e pedidos são extremamente importantes para minimizar o risco que as novas ações trarão.

Em breve é bastante provável que casos como o do Dr. Tício irão proliferar na mídia, o que pode, realmente, como queriam seus verdadeiros idealizadores, acabar de uma vez com a Justiça do Trabalho, enterrando não apenas este ou aquele direito trabalhista, mas todos (na medida em que impedirá, na prática, a defesa de qualquer direito que seja).

Esta é uma dura realidade, um golpe cruel que foi aplicado no trabalhador brasileiro (e em seu advogado), mas agora não é momento para se lamentar ou se desesperar.

Agora é hora de luta, de resistência, e o advogado do trabalhador terá uma relevância enorme neste campo de batalha que aos poucos se desenha no horizonte. Não é hora de pensar em fazer média com o juiz, mas de ajustar suas ações, as antigas e as novas, para que seja possível recorrer até o STF se for necessário.

Leia também: Como calcular o valor da ação trabalhista após a reforma - Parte I

E é claro que você, advogado do trabalhador, também não está sozinho nesta luta. Tenho certeza de que milhares de juízes trabalhistas apenas aguardam a oportunidade para cantar em alto em bom som a inconstitucionalidade dessa vilania praticada contra mais de 30 milhões de trabalhadores brasileiros.

Mas para que eles possam cumprir com sua função social, é preciso que você, advogado, cumpra com a sua, requerendo o controle de constitucionalidade e todos os pedidos de aspectos processuais necessários para ajustar sua ação ao início de vigência da Lei 13.467/17.

O site Valor do Trabalho também pode ajudar.

Todas as teses e pedidos acima referidos foram utilizados na criação de um modelo de um Requerimento de Controle Difuso de Constitucionalidade e Outros Pedidos de Aspecto Processual, que desde setembro já acompanha, opcionalmente, todos os modelos de iniciais gerados no site.

Recentemente este modelo foi revisado, para incluir vários Enunciados de ordem processual aprovados na 2º Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, e continua sendo diariamente atualizado.

Para conhecer o Requerimento de Controle Difuso de Constitucionalidade e Outros Pedidos de Aspecto Processual que acompanha os modelos de iniciais, apenas cadastre-se no site Valor do Trabalho e gere, gratuitamente, qualquer modelo de inicial na área Livre (o Requerimento acompanha todos os modelos de iniciais gerados).

De qualquer forma, seja utilizando o site Valor do Trabalho - como material de apoio para criar a petição intermediária e/ou adequar seus modelos de iniciais - ou não, fica aqui a minha sincera torcida para que você, advogado do trabalhador, não faça como o Dr. Tício e fique apenas sentado, esperando.

Levante-se e vá à luta. O trabalhador brasileiro precisa de você.

Gustavo Borceda, advogado e criador do site Valor do Trabalho

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