Como criar a ação trabalhista perfeita em cinco passos - Parte I

Publicado em 12/01/2017

Atualizado em 04/05/2018

Categoria: Prática Trabalhista


Como criar a ação trabalhista perfeita em cinco passos - Parte I


Este artigo irá demonstrar os cinco passos que desenvolvi buscando criar a melhor ação trabalhista possível. A palavra perfeita, no título e no decorrer do texto, refere-se à busca pelo ideal de perfeição, e não a um estado de coisas.

“Hoje em dia na linguagem profissional, perfeição pode ser definida não como não ter defeitos. Mas sim como algo ou alguém que apresenta defeitos, mas que esses seus defeitos são ofuscados pelas suas qualidades, fazendo com que eles se tornem invisíveis aos olhos das pessoas.” (Wikipedia)

O método que apresento abaixo foi utilizado para criar todos os textos do Gerador de Petições Trabalhistas do site Valor do Trabalho, e embora ambos (o artigo e o Gerador de Petições) partam de minha experiência prévia como advogado e consultor trabalhista, nenhuma das ideias aqui apresentadas deve ser vista como definitiva ou inquestionável.

Recentemente este artigo passou por uma atualização para se adequar à Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista). No entanto, como algumas regras processais foram drasticamente modificadas, decidi por escrever alguns outros artigos para tratar de temas que considero importantes, ao invés de incluí-los na atualização.

São 3 temas para os quais decidi escrever outros artigos ao invés de aumentar este:

  1. O cálculo do valor da ação trabalhista após a reforma;
  2. O novo acordo extrajudicial trabalhista;
  3. A análise de viabilidade da ação trabalhista após a reforma;

Os dois primeiros já tiveram a primeira parte publicada recentemente, e podem ser acessados através dos links abaixo:

O terceiro, que está em fase de produção, e deve ser publicado ainda no mês do trabalhador (assim como as outras partes dos demais), poderia ser acrescentado, seguindo a ordem estabelecida neste artigo, como um outro Passo, anterior à revisão, tendo em vista a enorme ampliação do risco para o trabalhador que necessita buscar seus direitos na Justiça.

Assim, mais do que nunca vale dizer: não veja este artigo como uma receita de bolo, e sim como parte de seu aprimoramento na busca da ação trabalhista perfeita.

No decorrer deste artigo existem diversos links para excelentes artigos e estudos, a grande maioria disponível gratuitamente e online. Prossiga com seus estudos, a perfeição é uma busca.

Passo 1 - Roteiro de Entrevista

Talvez fosse mais adequado iniciar esta lista pela Planilha de Identificação de Direitos, porém a ideia foi seguir o caminho da ação desde seu início, o que acontece, justamente, quando o trabalhador senta na cadeira em frente ao advogado, e começa a narrar os fatos que eventualmente darão origem ao processo.

Este momento é obviamente muito importante para qualquer tipo de ação, mas é realmente crucial para o advogado trabalhista que atua pelo trabalhador. E pode fazer a diferença entre seu sucesso ou fracasso, porque quando você trabalha com advocacia de resultados (i. e.: só recebe honorários se ganhar ação), atua como verdadeiro empreendedor.

Quando o trabalhador procura um advogado trabalhista, ele já tem em mente, mais ou menos, o que quer saber. Ele pode, por exemplo, estar buscando o pagamento das verbas rescisórias (o mais comum) mas também pode ter ficado sabendo que alguém com quem trabalhava ganhou uma ação do adicional de insalubridade, e estar atrás disso. Ou porque sofreu um acidente, ou porque acredita ter direito a horas extras, e por aí vai.

O ponto é: quase nunca o trabalhador busca por mais de um direito. Em geral, ele terá em mente apenas um assunto para a demanda, e caberá ao advogado fazer ali uma triagem de outros direitos possíveis enquanto transcorre a entrevista.

Mas sem um método, um caminho a ser seguido, esta triagem tem todas as chances de deixar passar algo importante. E você até pode achar que sabe tudo de Direito do Trabalho, e que nunca deixaria escapar nada, mas isso é ilusão.

O direito do trabalho é complexo, e nem sempre as pessoas estão no seu melhor dia. Somos humanos, e como tal, falhamos com mais frequência do que em geral gostaríamos de admitir. Um método pode prevenir se não todas, pelo menos a maior parte destas falhas, e se for bem desenvolvido e operado, acredito que possa realmente chegar próximo à perfeição (ou seja, não possuir nenhum erro processual, não ter deixado nenhum pedido para trás, e estar com o melhor discurso possível para persuadir o juiz a acolher seus pedidos).

E agora, com a entrada em vigência da Lei 13.467/17, o Roteiro de Entrevista também pode ser utilizado para gerar um documento (um Termo de Responsabilidade) para ser assinado pelo trabalhador, onde constará todas as informações que foram prestadas no ato da entrevista.

Este método começa com a criação do que chamo de Roteiro de Entrevista Trabalhista , e que é, basicamente, um questionário que irá abranger todos os “conjuntos” de direitos trabalhistas mais comuns, com ênfase na demanda de seu escritório. Ele pode ser muito extenso, ou bem curtinho, dependendo do que funcionar para você.

Um roteiro de entrevista trabalhista geral poderia ser algo tão simples quanto isso:

  1. Rescisão Contratual
  2. Jornada de Trabalho
  3. Acidente de Trabalho
  4. Diferenças Salariais
  5. Adicionais
  6. Convenções Coletivas
  7. Danos Morais
  8. Seguro Desemprego
  9. FGTS
  10. Estabilidades
  11. Tutela Antecipada

Então, a partir desta lista você poderá ir questionando o trabalhador sobre cada um destes conjuntos de direitos, e fazendo as anotações que julgar pertinentes em alguma folha de papel, ou diretamente no editor de textos do computador.

No tópico Verbas Rescisórias, por exemplo, você perguntará sobre o tipo de contrato, se o trabalhador tinha ou não registro, se recebeu as verbas, etc. No de jornada, qual era o horário trabalhado, se recebia por horas extras, etc. No de adicionais, se trabalhava em situação de risco de morte (periculosidade) ou de dano à saúde (insalubridade), e por aí vai.

Mas esta lista ainda é bastante limitada, e se pelo menos ajuda a lembrar de todos os conjuntos de direitos trabalhistas, ainda está muito longe da perfeição.

Um roteiro um pouco mais elaborado, para o módulo Rescisão Contratual por exemplo, seria algo como isso:

Leia também: Conheça 4 decisões que não aplicaram a Reforma Trabalhista aos processos em andamento

Lista dos dados para apuração de diretios devidos na rescisão contratual

  1. Tipo do contrato: ______________
  2. Data de contratação: _____________
  3. Data de desligamento: ____________
  4. Registro em CTPS: [] sim [] não [] parcial
  5. Data do registro em CTPS: ______________
  6. Motivo de desligamento: ____________
  7. TRCT: [] sim [] não
  8. Aviso de Dispensa: [] sim [] não
  9. Tipo do salário: ___________
  10. Valor: ____________
  11. Outras verbas salariais: _________
  12. Tipo de aviso: _________
  13. Verbas vencidas (13º salário, férias e salários): _________
  14. Fechamento do mês: ___________
  15. Faltas: ____________
  16. Valor recebido: _______________
  17. Outros descontos: _____________
  18. Depósitos FGTS: [] todos [] parcial [] nenhum

Este exemplo é bem mais completo, mas ainda assim não engloba tudo o que é preciso saber sobre o contrato para criar a ação trabalhista perfeita . Se o contrato for por prazo determinado, por exemplo, é preciso informar as datas previstas, e verificar se ele terminou antes, depois, ou no prazo, de onde se inferirá os direitos trabalhistas devidos.

Além disso, este roteiro não é muito inteligente, e acaba incluindo campos muitas vezes desnecessários. Por exemplo, se o motivo de desligamento for a rescisão indireta, não existe necessidade de um campo “Tipo de Aviso”, porque ele sempre será indenizado.

Então, esta é a forma que sugiro que você utilize para criar o seu próprio Roteiro de Entrevista; para cada um dos conjuntos de direitos, vá incluindo os campos que julgar necessários.

Mas você ainda pode dar um passo além, e criar roteiros específicos para cada tipo de demanda trabalhista (e claro, de qualquer outro tipo de ação) que costuma aparecer em seu escritório. Futuramente pretendo escrever um artigo específico sobre isso, mas, por hora, tenha apenas em mente que será com as respostas que incluir no questionário, enquanto estiver seguindo o roteiro criado, que iremos redigir nossa ação trabalhista perfeita .

Porém, antes de invocar a musa e soltar a criatividade (só que não! vide capítulo 3 - Redação), iremos primeiro identificar quais direitos trabalhistas serão pleiteados, e, para isso, iremos cruzar as informações do Roteiro de Entrevista com a já mencionada Planilha de Identificação de Direitos.

Passo 2 - Planilha de Identificação de Direitos Trabalhistas

A planilha de identificação de direitos é praticamente um resumo, como aqueles que se utiliza para estudar para concurso. A diferença, fundamental, é que ela funcionará em sintonia com um questionário, o Roteiro de Entrevista.

Neste passo reside a lógica, o algoritmo da ação trabalhista perfeita .

Um algoritmo, pela definição da Wikipedia, é “uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, cada uma das quais devendo ser executadas mecânica ou eletronicamente em um intervalo de tempo finito e com uma quantidade de esforço finita.”

Para simplificar, vamos a um exemplo. Imagine o caso de um trabalhador que tenha sido contratado por prazo determinado, com datas previstas entre 01/01/2015 à 01/01/2016, cujo desligamento ocorreu, por dispensa do empregador, antes do prazo estabelecido.

Então, no Roteiro de Entrevista, você terá preenchido algo como:

[...]

Tipo do contrato: prazo determinado

Data de contratação: 01/01/2015

Data de desligamento: 12/12/2015

Datas previstas de início e final: 01/01/2015 à 01/01/2016

Motivo de desligamento: dispensa sem justa causa (término antecipado por iniciativa do empregador.

[...]

E na Planilha de Identificação de Direitos, você terá algo como:

[...]

Motivos de Desligamento:

Prazo Indeterminado → Dispensa s/ justa causa → Aviso Prévio

Prazo Determinado → Se passar do prazo: Indeterminado → Se acabar antes: multa do Art. 479.

[…]

Entenda que este é um exemplo criado apenas para ilustração, a fim de que você perceba como funciona a associação do Roteiro de Entrevistas com a Planilha de Identificação.

Então, neste caso, o algoritmo será algo como:

SE

O tipo do contrato for “por prazo determinado”

E

O motivo de desligamento for “dispensa sem justa causa”

E

O tempo de trabalho for igual ou maior que o prazo previsto

E

{{SE

o aviso prévio for trabalhado

ENTÃO

A multa do art. 479 é indevida

O aviso prévio idenizado é indevido}

{OU SE

O aviso prévio for indenizado

ENTÃO

A multa do art. 479 é indevida

O aviso prévio indenizado é devido}}

OU SE

O tipo do contrato for “por prazo determinado”

E

O motivo de desligamento for “dispensa sem justa causa”

E

O tempo de trabalho for menor que o prazo previsto

ENTÃO

A multa do art. 479 é devida

O aviso prévio indenizado é indevido

Perceba que após o final da primeira condição, existe uma sub condição. Assim, se o tipo do contrato foi “por prazo determinado” e o motivo de desligamento foi por “dispensa sem justa causa”, mas o tempo de trabalho foi maior que o prazo previsto, precisaremos saber qual foi o tipo de aviso prévio (já que o contrato será convertido para prazo indeterminado).

E então entraremos na sub condição, com as duas hipóteses possíveis em dispensa sem justa causa: trabalhado ou indenizado. No caso do aviso prévio ter sido trabalhado, isso em nada alterará o cálculo preliminar ou nossos pedidos (apenas a fundamentação), porque, neste caso, o aviso trabalhado é pago como saldo de salário (às vezes em um só, e às vezes em dois meses distintos).

Porém, caso o aviso seja indenizado, iremos incluir este pedido, já que todas as condições foram satisfeitas.

Mas no caso de nosso exemplo (término antecipado) a solução está na última condição, porque o tempo de trabalho foi menor do que prazo previsto.

Neste caso:

ENTÃO

A multa do art. 479 é devida

O aviso prévio idenizado é indevido

Este processo pode parecer complexo, mas na verdade não é. Na prática você apenas verá que no Roteiro de Entrevista consta o tipo de contrato como sendo por prazo determinado, que o prazo de trabalho foi menor que o previsto, e o desligamento foi por dispensa sem justa causa, e ao bater os olhos na planilha, já saberá que o pedido a ser incluído é de multa do art. 479, e não de aviso prévio indenizado.

Isto funciona, e posso garantir que em pouco tempo você perceberá os resultados na prática,descobrindo novos direitos para incluir em suas reclamações trabalhistas.

É claro que dá trabalho. Você precisa criar o Roteiro de Entrevistas e a Planilha de Identificação, e precisa fazer isso direito. Abranger todas as áreas do direito do trabalho não é fácil (foram quase dois anos para criar o sistema do site Valor do Trabalho, que ainda não inclui todos os direitos possíveis), mas certamente é factível, e se você atua num nicho específico, pode ser realmente bem simples.

Também demora um pouco até pegar o jeito de utilizar o roteiro conforme transcorre a entrevista, mas ao criar estes instrumentos você ainda estará estudando a matéria com a qual trabalha, e assim que encontrar o primeiro direito por causa do roteiro, e acrescentar um ou dois dígitos ao valor recebido pela ação, vai sentir que todo o esforço valeu a pena.

Gustavo Borceda, advogado e criador do site Valor do Trabalho

Continue lendo a Parte II

style Outros Artigos

Cookies

Nós utilizamos cookies para melhorar sua experiência de navegação. Ao utilizar este site você está concordando com os Termos de Uso e com a Política de Privacidade.