Como realizar um bom acordo extrajudicial trabalhista - Parte I

Publicado em 02/05/2018

Categoria: Reforma Trabalhista


Como realizar um bom acordo extrajudicial trabalhista - Parte I


Mais vale um mau acordo que uma boa sentença. (Provérbio português)

O provérbio português, que no Brasil foi adaptado mantendo seu sentido original (“Mais vale um mau acordo que uma boa demanda”) parece hoje, mais do que nunca, adequado e contemporâneo para o advogado trabalhista.

É preciso compreender, todavia, que o “mau acordo” a ser considerado nesta hipótese não significa qualquer acordo ruim, mas um que, consideradas todas as variáveis existentes (custo do litígio, tempo do processo, riscos, segurança jurídica, etc), apresente para as partes uma relação mais vantajosa do que a alternativa litigiosa.

Talvez, inclusive, até fosse mais apropriado neste caso, onde em jogo estão determinados direitos tidos como indisponíveis, utilizar uma adaptação deste provérbio:

Mais vale um bom acordo que uma ótima demanda. (Lembro-me de ter ouvido esta versão alguma vez, mas não consegui encontrar nenhuma referência em pesquisa recente.)

A extensa pesquisa que resultou neste artigo - e que também foi utilizada para criar o Gerador de Petições do Acordo Extrajudicial Trabalhista e o anexo 41 decisões sobre o novo acordo extrajudicial trabalhista - demonstra que um bom acordo extrajudicial, ao invés de uma (suposta) ótima demanda judicial, este é o caminho que a Lei 13.467/17 descortinou, e nada além disso.

Quem pensa que será uma farra, institucionalizando a lide simulada, está redondamente enganado. Não basta sequer (mas obviamente é essencial) estar de boa-fé, pois existem diversos motivos (formais e materiais) que podem provocar a negativa de homologação, como veremos a seguir.

Ainda assim, existem muitas razões que indicam ser o acordo extrajudicial a melhor saída para se resolver um contrato de trabalho no qual existam pontos controvertidos passíveis de resolução amigável. Veja abaixo uma lista com alguns motivos para realizar o acordo extrajudicial trabalhista:

  • O longo tempo (mais de dez anos em alguns casos) que um processo trabalhista pode levar até o recebimento final do crédito reconhecido em sentença;
  • A dificuldade para a produção de provas pelo trabalhador, quando o ônus lhe recai;
  • Os riscos trazidos pela Lei 13.467/17, notadamente os honorários de sucumbência;
  • A maior dificuldade de obtenção e as limitações dos benefícios da Justiça Gratuita;
  • A maior segurança jurídica que a homologação judicial apresenta para os empregadores, tendo em vista o altíssimo grau de insegurança jurídica gerado pela Reforma Trabalhista;

Porém, ainda que sobrem motivos para se realizar um bom acordo, existe uma série de circunstâncias que precisam ser levadas em consideração para que este acordo extrajudicial, realizado apenas com a intermediação dos advogados - sem a necessidade da presença sindical - seja, enfim, homologado pelo juiz.

Neste sentido foi o entendimento do Enunciado nº 110 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho:

110 - JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. ACORDO EXTRAJUDICIAL. RECUSA À HOMOLOGAÇÃO O JUIZ PODE RECUSAR A HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO, NOS TERMOS PROPOSTOS, EM DECISÃO FUNDAMENTADA. (sem grifos no original)

Recentemente, o TST realizou uma grande audiência pública sobre o tema, na qual mais de 30 expositores apresentaram sugestões, preocupações e pontos de vista, gerando um material excelente, essencial para qualquer um que queira ter uma ideia de como irão atuar os Tribunais pátrios na interpretação desta novidade trabalhista.

Esta audiência pública é a principal fonte deste artigo, mas não é a única. Este artigo também considerou outros textos doutrinários, citados no decorrer de suas duas partes, com destaque para os Enunciados da 2ª Jornada de Direito Processual e Material do Trabalho promovida pela Anamatra, além de uma extensa pesquisa jurisprudencial nas Varas do Trabalho de 1ª instância (vide adiante a Tabela de Decisões de Primeira Instância). O vídeo da audiência pública (de cerca de 3 horas e meia) pode ser assistido no Youtube.

Para facilitar a navegação entre os temas, cada capítulo do índice abaixo é um link. Clique neles para ir ao tema desejado, e depois em “Voltar ao Índice” para retornar a este ponto.


Índice

  1. O que é o acordo extrajudicial trabalhista
  2. Requisitos do acordo extrajudicial trabalhista
    1. Lista de requisitos essenciais
    2. Lista de requisitos básicos
    3. Lista de outros requisitos materiais
    4. Lista completa dos requisitos possíveis no acordo extrajudicial trabalhista
  3. Limites do acordo extrajudicial trabalhista
    1. Quais são os direitos trabalhistas indisponíveis
    2. Momento do acordo extrajudicial
    3. Abrangência do acordo extrajudicial
    4. O valor do acordo extrajudicial
  4. A petição do acordo extrajudicial trabalhista
    1. Competência
    2. Redação conjunta
    3. Modelo de petição do acordo extrajudicial trabalhista
    4. Audiência de homologação do acordo extrajudicial trabalhista
    5. Homologação total X Homologação parcial de acordo extrajudicial trabalhista
    6. Recurso cabível na recusa de homologação do acordo extrajudicial trabalhista
  5. Cuidados especiais ao realizar um acordo extrajudicial trabalhista (Parte III)
    1. Evitar relação próxima entre os advogados das partes
    2. Inadequação da via eleita
    3. Assinatura do trabalhador com firma reconhecida
    4. Evitar acordos em situação de vulnerabilidade extrema
    5. Evitar acordos em situações já acionadas pelo MPT
    6. Retomada do prazo prescricional em caso de não homologação (falar de bienal quinquenal)
    7. Expedição de guias de FGTS e seguro desemprego pelo empregador
  6. Considerações finais (Parte III)

1. O que é o acordo extrajudicial trabalhista

O acordo extrajudicial trabalhista inaugurado pela Lei 13.467/17 está previsto nos artigos 855-B à 855-E da CLT, e possibilita que o empregado e o empregador obtenham, observadas certas regras, a homologação de acordos relativos ao contrato de emprego diretamente por um Juiz do Trabalho, sem a necessidade de acompanhamento sindical ou de ajuizamento prévio de reclamação trabalhista.

O acordo extrajudicial, quando homologado, oferece grande segurança jurídica quanto à sua validade, sendo uma sólida alternativa que se coloca para o trabalhador e o empregador (em que pese o posicionamento contrário da Anamatra quanto a sua constitucionalidade, e as ressalvas do MTP).

Como toda a regulamentação principal da matéria está contida em alguns poucos dispositivos, vale a pena transcrever a base legal na íntegra, com destaques nas partes mais relevantes:

DO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL
Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.
§ 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum.
§ 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.
Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.
Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.
Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial
suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.
Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.

Existem outros dispositivos que incidem na espécie, como os arts. 2º, 9º e 468 da CLT, os arts. 161 e seguintes (erro, coação etc) e 840 do CC, os art. 719 e seguintes do CPC (Do processo de Jurisdição Voluntária), vários incisos dos arts. 5º e 7º da CF, além de uma infinidade de princípios e disposições legais correlatas.

2. Requisitos do acordo extrajudicial trabalhista

Observando apenas os art. 855-B à 855-E, num primeiro momento pode parecer que bastaria agora as partes atenderem aos dois principais requisitos formais (petição conjunta e representação por advogados distintos) que ao juiz caberia apenas resignar-se e homologar qualquer tipo de acordo que lhe aparecesse pela frente.

Ledo engano.

O Enunciado nº 123, definido durante a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho em novembro do ano passado já indicava claramente o caminho que seria seguido pela maioria dos juízes do trabalho:

123 - HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL I - A FACULDADE PREVISTA NO CAPÍTULO III-A DO TITULO X DA CLT NÃO ALCANÇA AS MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. II - O ACORDO EXTRAJUDICIAL SÓ SERÁ HOMOLOGADO EM JUÍZO SE ESTIVEREM PRESENTES, EM CONCRETO, OS REQUISITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 840 A 850 DO CÓDIGO CIVIL PARA A TRANSAÇÃO; III - NÃO SERÁ HOMOLOGADO EM JUÍZO O ACORDO EXTRAJUDICIAL QUE IMPONHA AO TRABALHADOR CONDIÇÕES MERAMENTE POTESTATIVAS, OU QUE CONTRARIE O DEVER GERAL DE BOA-FÉ OBJETIVA (ARTIGOS 122 E 422 DO CÓDIGO CIVIL). (sem grifos no original)

E assim está sendo.

Na pesquisa realizada junto às Varas do Trabalho de 1ª instância tem sido muito raro encontrar alguma decisão homologatória que tenha considerado apenas estes dois requisitos formais e ignorado os requisitos materiais.

Na imensa maioria dos casos em que o acordo foi homologado, vários outros fatores foram observados, e em quase todos os casos não homologados os motivos foram de ordem material, valendo anotar, neste sentido, dois exemplos bastante didáticos.

O primeiro da 12ª Região:

Destarte, torna-se necessário analisar se estão presentes os requisitos de validade material, relativos ao conteúdo do acordo. Para tanto, é necessário verificar se não versam sobre direitos de personalidade indisponíveis, direitos laborais que versem sobre patamar civilizatório mínimo em que seja observada a proporcionalidade entre as concessões recíprocas da transação, ou questões de interesse público. Somente observando-se os requisitos de validade material, a par dos requisitos formais, entendo ser possível dar validade a acordo extrajudicial trabalhista, que deve ser visto com reserva, notadamente se o vínculo de emprego ainda estiver em curso, como no presente caso. (12ª Região - Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)

E o segundo da 23ª Região:

O Juiz não está subordinado à vontade dos transatores. Não é seu dever apor o aval judicial a qualquer acordo que particulares apresentem perante o Poder Judiciário. Ao contrário, o dever da autoridade judicial é justamente o inverso disso, qual seja, deve averiguar a validade formal e material da avença, a inexistência de ofensa ao sistema de direito, a inexistência de prejuízo a terceiros, a inexistência de vício de vontade na manifestação das partes, etc. É público e notório que acordos, e de resto quaisquer outros negócios entre particulares, não dependem de homologação judicial para terem validade. Se empregador e empregado querem fazer um acordo particular, podem fazer à vontade, e para isso, como dito, não dependem do aval do Poder Judiciário. Porém, o que se busca em avença tal como a em análise não é prevenir litígios porventura latentes. O interesse objeto desse é obter uma decisão judicial que acarrete os efeitos de coisa julgada em face de todo e qualquer débito ou responsabilidade que eventualmente possa ter remanescido da pretérita relação de trabalho. E, justamente para oferecer essa decisão judicial transitada em julgado com amplo poder liberatório de débitos e responsabilidade, é que o Poder Judiciário tem o dever e a responsabilidade de apreciar os contornos e particulares do respectivo contrato em relação ao qual se pretende obter a quitação judicial ampla, total e irrestrita. (23ª Região - Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)

2.1. Requisitos formais essenciais

Os arts. 855-B à 855-E nada dizem acerca da necessidade de o acordo ser justo, ou de que as verbas rescisórias devam ter sido quitadas (em caso de desligamento), ou que o vínculo empregatício necessite ser, quase sempre, reconhecido.

Os únicos requisitos legais expressamente citados, e, por isso, essenciais, são os dois já referidos anteriormente:

  1. petição conjunta;
  2. representação por advogados distintos;

Ainda assim, uma porcentagem considerável dos casos de negativa de homologação tem por motivo a existência de apenas um advogado para ambas as partes, valendo anotar, neste sentido julgado da primeira instância da 2ª Região:

Nos moldes em que apresentado, o acordo noticiado na petição inicial não apresenta condições para homologação. De início, embora habilitados processualmente dois patronos nos autos, verifica-se que o acordo foi entabulado, apresentado em juízo e assinado por advogado único, o que é vedado expressamente pelo art. 855-B, § 1º, da CLT. ( Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)

De outro lado, todos os acordos homologados atendiam à previsão do art. 855-B, ou seja, foram realizados por advogados distintos, e em petição conjunta.

2.2. Requisitos básicos

Mas uma interpretação sistemática certamente indica, e a prática processual já tem demonstrado, que apenas isso não basta para garantir a homologação do acordo.

Neste sentido, vale anotar, como exemplo paradigmático, que revela o posicionamento aparentemente majoritário na primeira instância, advindo da 9ª Região:

1. As partes pretendem a homologação de acordo extrajudicial. 2. Uma vez preenchidos os requisitos legais para análise do acordo, quais sejam, petição conjunta (CLT, art. 855-B) e representação por advogados distintos (CLT, art. 855-B, § 1º), ID e09a88e, ID cca9b99, determino a inclusão do feito em pauta para apreciação do pedido.

No entanto, o despacho continua, requerendo diversas providências sob pena de arquivamento:

3. Até a data da audiência as partes deverão juntar aos autos os documentos atinentes ao contrato de trabalho, tais como CTPS, contrato de trabalho, ficha de registro de empregado, termo de rescisão de contrato de trabalho e comprovante de quitação das verbas rescisórias, entre outros, sob pena de não homologação e o consequente arquivamento. (TRT9 - Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)

Várias outras decisões pedem providências diversas antes da homologação, outras optam por designar audiência de homologação, e algumas simplesmente extinguem o processo sem julgamento de mérito.

Durante a audiência pública multicitada neste artigo, vários outros requisitos foram referidos pelos palestrantes. A lista abaixo, de requisitos básicos, inclui requisitos formais e materiais, e foi baseada na lista apresentada pela jurista e professora Gabriela Neves Delgado durante a referida audiência (à partir de 2h35min), nas regras específicas indicadas pelo TRT da 2ª região, e nos Enunciados da 2ª Jornada de Direito Processual e Material do Trabalho:

  1. petição conjunta;
  2. representação por advogados distintos;
  3. Qualificação das partes;
  4. Documentações básicas (v.g.: Cópia da CTPS);
  5. Contexto fático da relação de emprego ou trabalho, com a identificação do contrato ou relação jurídica, as obrigações pactuadas (valor, tempo e modo de pagamento);
  6. Valor do acordo;
  7. Verbas discriminadas, com o valor e a natureza;
  8. Cláusula penal (multa em caso de descumprimento);
  9. Pedido de Justiça Gratuita, ou adiantamento das custas;
  10. A atribuição de responsabilidade pelos recolhimentos fiscais e previdenciários;

Com absoluta certeza, uma proposta de homologação de acordo extrajudicial trabalhista que observe a lista acima terá chances muito maiores de homologação do que uma proposta que observe apenas os requisitos essenciais citados anteriormente.

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O Gerador de Petições do Acordo Extrajudicial Trabalhista verifica o atendimento dos requisitos apresentados neste artigo, e gera um modelo de petição adaptado ao caso concreto.

2.3. Outros requisitos materiais do acordo extrajudicial trabalhista

Mas ainda é possível ir além, e com base em todas as fontes anteriormente citadas, criar uma lista com os requisitos "desejáveis", ou seja, aqueles que, embora não possam ser considerados indispensáveis, terão o efeito de incrementar significativamente, a meu ver - sempre, e data maxima venia eventuais entendimentos em sentido diverso - as chances de um acordo extrajudicial trabalhista ser homologado.

São eles:

  1. Informação dos pontos controvertidos, ou de situações especiais da empresa (falência, concordata, etc) que justifiquem a necessidade de homologação;
  2. Quitação das verbas rescisórias;
  3. Valor razoável (vide mais sobre isso adiante);
  4. Informação das concessões recíprocas;
  5. Assinatura das partes com reconhecimento de firma;
  6. Cálculo do valor estimado dos direitos (de acordo com os pontos controvertidos);
  7. Utilização de valor médio (ou próximo ao médio);
  8. O reconhecimento do vínculo de emprego;
  9. Liberação de guias para saque do FGTS e concessão do seguro-desemprego;

2.4. Lista completa dos requisitos possíveis do acordo extrajudicial trabalhista

Assim, unindo as 3 listas de requisitos acima informadas, esta é a lista completa de requisitos do acordo extrajudicial trabalhista:

  1. Petição conjunta;
  2. Representação por advogados distintos.
  3. Qualificação das partes;
  4. Documentações básicas (v.g.: Cópia da CTPS);
  5. Contexto fático da relação de emprego ou trabalho, com a identificação do contrato ou relação jurídica, as obrigações pactuadas (valor, tempo e modo de pagamento);
  6. Valor do acordo;
  7. Verbas discriminadas, com o valor e a natureza;
  8. Cláusula penal (multa em caso de descumprimento);
  9. Pedido de Justiça Gratuita, ou adiantamento das custas;
  10. A atribuição de responsabilidade pelos recolhimentos fiscais e previdenciários;
  11. Informação dos pontos controvertidos, ou de situações especiais da empresa (falência, concordata, etc) que justifiquem a necessidade de homologação;
  12. Quitação das verbas rescisórias;
  13. Valor razoável (vide mais sobre isso adiante);
  14. Informação das concessões recíprocas;
  15. Assinatura das partes com reconhecimento de firma;
  16. Cálculo do valor estimado dos direitos (de acordo com os pontos controvertidos);
  17. Utilização de valor médio (ou próximo ao médio);
  18. O reconhecimento do vínculo de emprego;
  19. Intermediação dos Cejuscs ou de plataformas online de resolução de conflitos;
  20. Liberação de guias para saque do FGTS e concessão do seguro-desemprego;

3. Limites do acordo extrajudicial trabalhista

Como já dito anteriormente, o juiz não é obrigado a homologar qualquer tipo de acordo, ainda que as partes observem todos os requisitos (inclusive os "desejáveis") da lista acima.

Existem diversos parâmetros que podem ser observados para tentar traçar os limites do acordo extrajudicial trabalhista, como, por exemplo:

  • Proibição de inclusão de cláusula de quitação geral e irrestrita;
  • Necessidade de comprovação do pagamento das verbas rescisórias;
  • Necessidade de reconhecimento do vínculo empregatício;
  • Proibição de acordo com empresas já acionadas pelo MPT;
  • O acordo sobre as verbas rescisórias não pode ser feito no curso do contrato;
  • O acordo não pode ter valor irrisório;

A análise das primeiras decisões judiciais, contudo, demonstra que nem todas estas limitações vêm sendo observadas pelos magistrados de primeira instância. Mesmo o reconhecimento do vínculo de emprego, algo que vejo como realmente de necessidade óbvia, já que diz respeito à própria competência da Justiça do Trabalho para analisar os termos do acordo, vem sendo relevada algumas vezes (reconhecendo-se, no termo, a natureza de trabalho autônomo).

Assim, acredito que para compreender as limitações do acordo extrajudicial trabalhista é preciso ter mente 4 variáveis principais:

  1. o conceito de direitos indisponíveis;
  2. o momento do acordo;
  3. a abrangência do acordo;
  4. o valor do acordo;

3.1. A indisponibilidade relativa dos direitos trabalhistas

Para Calmon de Passos, citado por Gabriela Freire Martins no excelente artigo Direitos Indisponíveis Que Admitem Transação”: Breves Considerações Sobre A Lei Nº 13.140/2015, existem duas classes de direitos indisponíveis, os absolutos e os relativos:

Direitos há, contudo, que são indisponíveis, de modo absoluto ou relativo. A indisponibilidade é absoluta quando é o próprio bem, conteúdo do direito, que se faz insuscetível de disposição, porque de tal modo se vincula ao sujeito que dele é indissociável. Werneck Cortes, no seu bem elaborado estudo, menciona alguns desses direitos. Predomina, entretanto, a categoria dos direitos cuja indisponibilidade é relativa, porque deriva ela dos limites fixados em lei ou em convenção dos interessados, quando esta última seja admitida. Nessa categoria dos direitos relativamente indisponíveis, acreditamos se possa e deva enquadrar, máxime para os efeitos perseguidos pelo art. 351, consequentemente também pelos arts. 302, II e 320, II todo e qualquer direito submetido, para efeito de sua disposição, a controles estatais, quer de natureza administrativa, quer de natureza jurisdicional. (PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. III: arts.270 a 331. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 408-409 - sem grifos no original)

No âmbito do direito do trabalho, os direitos são geralmente de natureza patrimonial, como enfatiza o pós-doutor Gustavo Filipe Barbosa Garcia em artigo de fina lavra publicado no periódico Conjur sob o título A indisponibilidade dos direitos trabalhistas no ordenamento jurídico:

Os direitos trabalhistas, tanto individuais como coletivos, normalmente são patrimoniais (ainda que quanto aos efeitos) e também admitem a transação, por meio de negociação coletiva de trabalho (artigo 114, parágrafo 1º, da Constituição da República), de mediação (artigo 11 da Lei 10.192/2001) e de conciliação, essa última tanto na esfera judicial (artigos 764, 831, 846, 852-E, 850 e 860 da CLT) como no âmbito extrajudicial (artigos 625-A a 625-H da CLT, acrescentados pela Lei 9.958/2000, versando sobre as Comissões de Conciliação Prévia). (A indisponibilidade dos direitos trabalhistas no ordenamento jurídico, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, 2016 - sem grifos no original)

Na hipótese de negociação coletiva o STF já havia mitigado, em 2015, a indisponibilidade quase absoluta dos direitos trabalhistas, reconhecida pela Orientação Jurisprudencial nº 270 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), do TST. No caso concreto, o Supremo permitiu que através de um PDI (plano de demissão incentivada), houvesse a quitação geral do contrato de trabalho.

Agora, com a CLT prevendo especificamente a possibilidade do acordo extrajudicial trabalhista, este assunto fatalmente deverá ser enfrentado outra vez, mas no âmbito dos dissídios individuais.

Desta forma, a indisponibilidade relativa dos direitos trabalhistas pode ceder lugar a um acordo razoável, no qual se observe os requisitos de validade formal e material. Ou seja, desde que esteja procedimentalmente correto, e, numa palavra, que seja justo.

De qualquer modo, é necessário ressaltar que a relativização da indisponibilidade dos direitos trabalhistas não alcançam os direitos sociais (p.ex.: os depósitos de contribuições previdenciárias), e os direitos mínimos previstos em lei (p.ex.: o salário mínimo), compreendendo apenas os chamados direitos livres.

O trabalhador não pode, por exemplo, negociar o pagamento do INSS, nem tampouco aceitar receber menos do que um salário mínimo por jornada completa de trabalho, mas, com relação aos direitos livres, e dentro de uma lógica do razoável, existe uma larga margem para a transação.

3.2. Abrangência do acordo

A abrangência do acordo extrajudicial trabalhista é um tema que deve ser observado com atenção. Das 41 decisões que foram catalogadas durante a pesquisa realizada para a confecção deste artigo, apenas 5 receberam o “selo” da quitação geral do contrato de trabalho.

Leia também: Como calcular o valor da ação trabalhista após a reforma - Parte I

Todos os outros acordos homologados (19) quitaram apenas as verbas discriminadas no termo, e dos 18 não homologados, vários referem-se ao pedido de quitação geral (ou a falta de discriminação das verbas quitadas) como obstativo da homologação.

Por exemplo:

[...] Ora, o direito do trabalho não contempla simples renúncia de parcelas trabalhistas. Vale mencionar, inclusive, conforme artigo 320 do CC, que "A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante." Assim, a quitação abrange as parcelas transacionadas e descritas no termo, não envolvendo eventual parcela não discriminada. Com tudo isso, DENEGO a homologação e extingo o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC. (TRT15 - Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)
1. Quanto à petição de acordo acostada aos autos, cabe tecer as seguintes considerações: a) Não foram discriminados os valores relativos a cada parcela objeto da avença, circunstância que obsta o atendimento da exigência contida no § 3º do art. 832 da CLT e, ainda, impossibilita a realização do cálculo referente às eventuais contribuições previdenciárias devidas à União, em relação às quais as partes não podem transacionar; [...] 2. Pelo exposto, por ora, deixo de homologar o acordo extrajudicial havido entre as partes. (TRT16 - Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)

(Neste último foi oferecido prazo para a emenda da inicial)

Este entendimento também apareceu no Enunciado nº 58 da 2ª Jornada de Direito Processual e Material do Trabalho promovida pela Anamatra:

58 - TERMO DE QUITAÇÃO ANUAL - I) OS PAGAMENTOS EFETUADOS POR CONTA DE TERMO DE COMPROMISSO ARBITRAL, "QUITAÇÃO ANUAL" DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS, EXTINÇÃO DO CONTRATO POR "MÚTUO ACORDO" E PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA OU INCENTIVADA SÓ PODEM PRODUZIR EFICÁCIA LIBERATÓRIA LIMITADA AOS VALORES EFETIVAMENTE ADIMPLIDOS DAS PARCELAS DISCRIMINADAS. EM RESPEITO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JURISDIÇÃO (ART. 5º, XXXV) E AO ARTIGO 25 DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, MANTÉM-SE O PLENO DIREITO DE ACESSO AO JUDICIÁRIO PARA SOLUCIONAR SITUAÇÕES CONFLITUOSAS, INCLUSIVE PARA SATISFAÇÃO DE DIFERENÇAS SOBRE RUBRICAS PARCIALMENTE PAGAS. II) O TERMO DE QUITAÇÃO DEVERÁ ESTAR NECESSARIAMENTE ACOMPANHADO DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS, SOB ASSISTÊNCIA EFETIVA DO SINDICATO. III) O TERMO DE QUITAÇÃO DEVE, POIS, SER INTERPRETADO RESTRITIVAMENTE, COM EFICÁCIA LIBERATÓRIA DE ALCANCE LIMITADO AOS VALORES DAS PARCELAS EXPRESSAMENTE ESPECIFICADAS NO DOCUMENTO, SEM IMPLICAR RENÚNCIA OU EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO E NEM IMPEDIR O EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE AÇÃO. IV) O REFERIDO TERMO SERÁ NULO DE PLENO DIREITO SE DESVIRTUAR, IMPEDIR OU FRAUDAR AS DISPOSIÇÕES DE PROTEÇÃO AO TRABALHO, OS CONTRATOS COLETIVOS E AS DECISÕES DAS AUTORIDADES TRABALHISTAS COMPETENTES. (sem grifos no original)

O que não quer dizer que a quitação geral seja sempre incabível. De acordo com o juiz do trabalho Josley Soares, do TRT/SP, cabe ao juiz analisar caso a caso, para verificar o cabimento da quitação geral:

A cautela e o bom senso do juiz do trabalho é premissa que se impõe, também nessa hora. Não se pode dizer que não é cabível homologação com quitação geral. O juiz do trabalho continua tendo a oportunidade de analisar cada caso em concreto para se sentir confortável com quitação geral ou oferecer para as partes apenas a quitação pelo objeto do processo. Elementos como, contratos longo, com salários altos, mas homologação por valores pífios, talvez possa ser um elemento que inviabilize a incidência da quitação total de toda a relação jurídica. (Reforma trabalhista e o novo acordo extrajudicial - Josley Soares – Juiz do Trabalho do TRT/SP. Professor de Direito e Processo do Trabalho do Curso Ênfase e Autor, palestrante - Fonte: Jota - sem grifo no original)

3.3. Momento do acordo

O momento no qual o acordo é realizado também é importante.

A transação é possível até mesmo enquanto perdurar o contrato, como recentemente noticiou o portal jurídico Jota acerca de decisão proveniente da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre:

“Homologo o acordo ajustado pelas partes nos termos dos arts. 855-B e seguintes da CLT (redação dada pela Lei 13.467/17), uma vez que ambas as partes estão representadas por advogados, inexistindo evidência de vício de vontade, bem como os documentos demonstram a necessidade de a trabalhadora reduzir a jornada por questões familiares[...]” (Fonte: Jota)

Entretanto, na maioria dos casos apenas após o encerramento do contrato é que se poderá realizar o acordo extrajudicial trabalhista, posto que terá findado a dependência do trabalhador em relação do empregador.

Após o encerramento do contrato, inclusive, o TST já firmou entendimento no sentido de que inexiste indisponibilidade de direitos trabalhistas:

“É que, ao se afirmar, genericamente, que os direitos trabalhistas constituem direitos patrimoniais indisponíveis, não se leva em conta que o princípio da irrenunciabilidade de tais direitos foi, em diversas situações, mitigado pelo legislador. Um primeiro exemplo [...]. Após a dissolução do pacto, no entanto, não há se falar em vulnerabilidade, hipossuficiência, irrenunciabilidade ou indisponibilidade, na medida em que empregado não mais está dependente do empregador. (TST – RR 01650-1999-003-15-00.3; 4ª Turma; Relatora: Juíza convocada Maria Doralice Noaves; publicado no Diário da Justiça em 30/09/2005 - sem grifos no original)

3.4. O valor do acordo extrajudicial trabalhista

O valor do acordo extrajudicial trabalhista deve ser razoável, e sempre deve considerar a realidade fática do contrato para ser entabulado. Valores baixos e totalmente desassociados dos dados do contrato possuem poucas chances de serem homologados, como se pode notar das seguintes decisões de primeira instância:

Considerando o baixo valor do acordo, R$1.000,00 (mil reais), para quitação da gama de direitos informadas (relativos à jornada de trabalho), cuja natureza é elencada como indenizatória (quando se trata de verba remuneratória), e pelo período que menciona (2014 até fim de 2017), entendo violado o princípio da irrenunciabilidade no direito do trabalho, e o princípio constitucional da proporcionalidade. (TRT12 - Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)
Veja-se que o termo estabelece que, em razão do pagamento do valor de R$1.500,00 pelos serviços prestados por intermédio da empresa [...] de 17/6/2016 a 12/6/2017, haveria outorga pelo extinto contrato de trabalho em relação à requerente[...]. Ora, o direito do trabalho não contempla simples renúncia de parcelas trabalhistas. Vale mencionar, inclusive, conforme artigo 320 do CC, que "A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante." Assim, a quitação abrange as parcelas transacionadas e descritas no termo, não envolvendo eventual parcela não discriminada. (TRT15 - Fonte: Jusbrasil - sem grifos no original)

Uma curiosidade: acordos com valores redondos parecem ter maior dificuldade de serem homologados, mesmo quando são relativamente altos (em comparação aos valores de outros acordos) talvez pela sensação que passem de não possuir conexão com os dados fáticos do contrato.

O que se percebe é que o valor até pode ser “baixo”, mas deve ser proporcional ao tempo de trabalho, e aos direitos que estão sendo quitados. E para saber se o valor do acordo é razoável, a única forma é realizando um cálculo preliminar (que é muito diferente do cálculo de liquidação de sentença).

Ou dois.

Explico: é que, como já enfatizado anteriormente, o acordo extrajudicial não se trata de mero aval do poder judiciário para um acordo sem pontos controvertidos. Não se homologa rescisão que o empregador esteja pagando corretamente.

Esta necessidade, ou melhor, esta possibilidade simplesmente não existe. Realiza-se o pedido de homologação extrajudicial onde existe dúvida.

Então, é preciso que exista uma discussão de fundo. É preciso que existam pontos controvertidos, e mais que isso, é preciso que existam concessões mútuas. De que, exatamente, estão as partes abrindo mão?

Um exemplo talvez ajude a clarear um pouco as coisas.

Imagine que, findo o contrato, o trabalhador possua horas extras não recebidas, pelas quais o empregador busca a quitação. No entanto, no entendimento do empregador são 30 horas, e no do trabalhador são 50.

É claro que isso não é ciência exata, mas penso que o ideal, em casos assim, seria que os dois cálculos fossem feitos, e que o acordo ficasse em torno da média entre eles.

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O Gerador de Petições do Acordo Extrajudicial Trabalhista verifica o atendimento dos requisitos apresentados neste artigo, e gera um modelo de petição adaptado ao caso concreto.

Existem várias outras hipóteses que permitem imaginar que a média de dois cálculos possa representar um valor ideal, como o adicional de insalubridade (o nível), ou o percentual de horas extras quando existe base para discutir a aplicação de uma determinada convenção coletiva que estipula percentual maior do que 50%.

De todo modo, não veja isso como uma espécie de fórmula mágica. Existem muitos detalhes na apuração dos direitos trabalhistas de um contrato de emprego, e não será apenas realizando os cálculos de acordo com os pontos controvertidos que tudo será resolvido. Tenha em mente que o principal, neste caso, é que o valor do acordo seja razoável, e mantenha em vista o tempo de trabalho, a remuneração, os direitos que se pretende quitar, etc.

Para saber mais sobre como calcular o valor da ação trabalhista leia também o artigo Como calcular o valor da ação trabalhista após a reforma - Parte I, e conheça o Gerador de Cálculos Preliminares do site Valor do Trabalho, único programa que considero atualmente adequado para o realizar o cálculo do valor da ação trabalhista, atualizado de acordo com a Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista).

Fim da Parte I

Parte II

Gustavo Borceda, advogado e criador do site Valor do Trabalho

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